Por curiosidade, fui conferir 3%, primeira série brasileira do Netflix. Baseada em distopias como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell, leitura dos 20 anos do estudante de cinema Pedro Aguilera, a série reflete o espírito da juventude do cineasta em suas primeiras incursões no mundo dos adultos — vestibular, primeiro emprego, etc.
Dirigida pelo uruguaio Cesar Charlone, de o Banheiro do papa, a série acaba por mostrar um Brasil em escombros, tenebroso, em que, a partir dos 20 anos, os jovens passam por uma seleção em que restam 3% a atingirem o paraíso terrestre (Mar Alto), deixando para trás o inferno mundano de o Continente.
Constantemente vigiados por um grande “tio”, na acepção tropical, feito ratos de laboratório, meninos e meninas jogam e trapaceiam, como se tivessem dois canos fumegantes em sua nuca — tudo pra buscar a redenção final, do outro lado. Nesse jogo do jogo, há elementos infiltrados que tentam explodir o processo por dentro, tudo podendo acontecer. Segundo o diretor, “O futuro é uma merda, mas a promessa do que virá é maravilhosa”.
Para saber o final da série, só assistindo aos oito episódios, sem a garantia de que o último seja, realmente, o final. Mas chama atenção que seja lançada num momento em que estejamos, realmente, vendo esboroarem-se as utopias, num brasil que já foi nominado com maiúscula inicial.
Enquanto os projetos nacionais repõem os pobres no seu devido lugar e a elite pouco pagadora de impostos continua comprando quinquilharias em Miami, crer no futuro passou a ser uma jogada de alto risco. Vivemos cada vez mais essa distopia na carne, entre um Judiciário legislando em causa própria, com suas bolsas-juízes, e um Legislativo cada vez mais sem juízo.
Enquanto isso, à plebe rude resta rezar (aos que crêem) que 20 anos passem depressa aos que sobreviverem, que vivam um pouco mais além da aposentadoria, desde que com saúde. Sentem-se como verdadeiros estorvos sociais, não quererão ser o estorvo dos filhos. Mas se queixar a quem?
E esperar que, na meritocracia aniquiladora que se apresenta como a nova modernidade, que seus filhos atravessem ao outro lado, que sejam os aquinhoados dos 3%.
Curiosa cifra. Curioso constatar que, aqui em Porto Alegre, o novo e o velho, prefeitos, briguem por contemplar aos munícipes uma diferença de 3% de desconto do IPTU. O que apaga as luzes promete 12%, o que vai ligar a chave, prometia 15%. Quando os próprios governantes batem cabeça, que sobra pros cidadãos? Sinal dos tempos?! Aos que voam talvez a única saída seja o aeroporto!! Aos outros, a fila indiana… deserdados e estrangeiros em sua própria terra. Em busca de um paraíso numa ponte entre dois mundo que não existe mais! Espremidos entre Continente e o Muro Alto*.
* É proposital a troca do nome Mar Alto por Muro Alto, praia do nordeste brasileiro.
Obs.: Apesar dos pesares, feliz 2017 a todos!